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Vitória de Lira põe em risco a já combalida democracia brasileira

Agora, a esquerda precisa romper o padrão de cada um por si que impera desde 2016 em todos os partidos, escreve Josué Medeiros.

Bolsonaro entra em seu terceiro ano com mais força do que terminou o segundo. Apesar da recente queda de popularidade, fincou posições institucionais importantes com as vitórias de Artur Lira (PP) na Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM) no Senado;  já nomeou um ministro do STF e vai nomear outro; além de aparelhar instituições como a ABIN e a Polícia Federal.

Com os postos conquistados, Bolsonaro tem bastante tempo para reorganizar seu governo e chegar vivo e forte à disputa eleitoral de 2022.

Sua vitória não é surpresa. Presidentes da República costumam ter aliados na presidência da Câmara.  Apesar do discurso de independência dos poderes, desde a redemocratização somente em duas ocasiões o Executivo perdeu o comando do parlamento, sempre em contextos de profundas crises políticas: em 2005, com Severino Cavalcanti (PP) e em 2015 com Eduardo Cunha (PMDB). 

Em outras duas oportunidades, o governo não se articulou e deixou de emplacar correligionários na direção da Câmara: em 1991, com Ibsen Pinheiro (PMDB), que era oposição a Collor e deu sequência às CPIs e ao impeachment; e em 2019 com Rodrigo Maia do (DEM), que encaminhou a pauta econômica do governo e barrou a agenda ideológica.

Bolsonaro aprendeu a lição e, enquanto sabotava as medidas de combate à Covid-19, organizou uma base parlamentar. O esforço deu resultado com a eleição de Lira ainda no 1º turno com 302 votos.

A vitória acachapante tampouco é novidade no parlamento brasileiro. Apenas quatro disputas pela presidência da Câmara terminaram no 2º turno: em 2005, nas eleições de Severino Cavalcanti, e, depois que este renunciou, de Aldo Rebelo (PC do B); e em 2007, com Arlindo Chinaglia (PT). Foram três disputas impactadas pela crise do mensalão. Por fim, em 2016, com Rodrigo Maia, depois da renúncia de Cunha, que fez terra arrasada dos procedimentos e pactos legislativos.

A explicação está no tipo de eleição interna do parlamento, que se dá sobre expectativa de poder. Aqui contam pouco as reações da opinião pública que, em geral, ignora essas disputas. O deputado médio (que não é líder partidário nem é ex-prefeito/governador, ou seja, aquele cuja reeleição está sempre em risco) não quer ficar de fora do time vencedor.

O normal, portando, é a formação de ondas a favor de um postulante, que acaba atraindo mais e mais congressistas, terminando com a vitória na primeira contagem. Foi o que Lira conseguiu constituir nessa disputa.

Uma vez empossada a nova direção do parlamento, os riscos para a já combalida democracia brasileira são evidentes e crescentes. Bolsonaro tem um projeto autoritário expresso nos ataques às universidades e à ciência; no ódio contra a imprensa e contra a diversidade; no questionamento das instituições e do voto; na mobilização de milícias digitais e físicas; na disposição em armar a população e em articular as bases das PMs e das Forças Armadas em um partido político. 

Contra isso, o impeachment seria a saída mais necessária e urgente. Mesmo com a vitória de Baleia Rossi, apoiado pela maioria dos partidos de esquerda, seria difícil de prosperar essa hipótese, sobretudo sem pressão das ruas. Com Lira, nas atuais condições políticas, o impedimento é carta fora do baralho.”

Neste novo quadro, as esquerdas devem atuar em três frentes. Cada uma delas correspondente a um dos tempos que compõe a política: as CPIs da pandemia, que buscam dar conta do nosso passado recente já sob a égide do bolsonarismo; a agenda democrática contra o o fascismo, que incide no presente imediato de 2021 e busca impedir que o bolsonarismo se consolide; a pauta econômica e o combate às reformas neoliberais, com a apresentação de medidas concretas que melhorem a vida do povo e que buscam pavimentar o futuro de um novo pacto democrático a ser defendido nas eleições de 2022.

As CPIs da pandemia serão os primeiros instrumentos de Memória e Verdade contra os crimes que o governo federal cometeu. Além disso, servirão para organizar a ação investigativa das esquerdas no parlamento, fundamental para quem faz oposição. Sua instalação é regimental, e cabe aos partidos de esquerda mobilizar suas bancadas para viabilizá-las.

A agenda democrática contra o fascismo ganhará impulso com essas CPIs, mas precisa ir além.

Observatórios da sociedade civil e pesquisadoras e pesquisadores independentes vêm mostrando o crescimento do número de armas em circulação e o descontrole na venda de munições. A imprensa vem noticiando o aumento das atividades nos clubes de tiro e a presença do presidente junto aos setores armados.

É fundamental colocar a resistência contra as armas e a bandeira de uma sociedade justa e pacífica no centro das mobilizações. Esta agenda tem o potencial de reestabelecer laços dos setores progressistas com lideranças religiosas das mais variadas matizes. Também se se soma às mobilizações das mulheres e antirracistas pelas próprias vidas que vêm ganhando força no Brasil.

Por fim, é preciso combater as reformas neoliberais não com um discurso corporativista, e sim com um projeto que reabra as esperanças das pessoas com seu futuro individual e com nosso futuro enquanto coletividade.

Para isso, a defesa do que é público é indispensável. O SUS revigorou sua legitimidade durante a pandemia. Os impasses da vacina mostram a importância do papel do Estado inclusive para a economia, pois o atraso na vacinação resultará em mais em mais desemprego e miséria.

Mas essa postura sozinha não basta. Precisamos apresentar propostas que apontem para o futuro, tais como a Renda Universal e o enfrentamento da emergência climática. A experiência do auxílio emergencial mostrou o potencial distributivo e democrático dessa política pública. Ela alcança os mais pobres, mas também os empregados informais, os trabalhadores da cultura, as pessoas com pequenos negócios nas periferias, os entregadores de aplicativos, entre outros setores que são sempre os mais fragilizados durante as crises econômicas.

Já o enfrentamento da crise climática nos desafia a pensar novas formas de geração de emprego e renda e relações de consumo que podem reorganizar o desenvolvimento brasileiro em novas bases realmente sustentáveis.

O parlamento é espaço fundamental para impulsionar essas três agendas que, articuladas, podem ajudar na criação de um movimento social que resista ao autoritarismo e pavimente uma frente de esquerda unitária para o pleito de 2022.

O tempo que Bolsonaro tem para reorganizar seu governo é o mesmo para que as esquerdas reorganizem suas relações. É preciso romper o padrão de cada um por si que vem imperando desde 2016 em todos os partidos.

Quando cada agremiação pensa apenas nos próprios interesses, a ação se dá de modo fragmentado (o modo como os partido de esquerda decidiram sem coordenação a posição na eleição da Câmara é ilustrativo; as disputas entre as esquerdas nas eleições municipais de 2020 são outro exemplo) o que inviabiliza a necessária Frente de Esquerda para enfrentar o bolsonarismo nas ruas e nas instituições. Ainda há tempo para mudar isso.

Josué Medeiros é professor da Ciência Política da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ e coordenador do Núcleo de Estudos Sobre a Democracia Brasileira (NUDEB).

Comunicação/Cal/Pública/2020 

 

 

 

  

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