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Artigo – Duas notícias

Nos idos de 2016 li uma notícia. Veio lá da Suíça, pelas mãos do respeitado informativo Swissinfo. Dizia que “as terras agrícolas abrem o apetite dos investidores internacionais nos países pobres. A compra de grandes extensões de terra cultivável ameaça a segurança alimentar dos povos nativos, ao invés de favorecer o desenvolvimento e o emprego”.

Entrevistado, o agrônomo suíço Hans Rudolf Herren declarou que “normalmente essas terras são utilizadas para uma agricultura industrial, em larga escala, e para a plantação de produtos que nem mesmo são destinados ao mercado local: a maior parte é exportada e usada na produção de biocombustíveis, forragens e alimentos industriais, entre outros”.

O pesquisador Markus Giger, igualmente ouvido, acrescentou que “esse fenômeno sempre existiu mesmo depois do fim do colonialismo. Mas ele se reforçou muito a partir da década passada com o sensível aumento dos preços das “commodities” alimentares e a crescente produção de biocombustíveis”.

Ele detalhou que “a África e a Ásia são as principais vítimas deste processo. O fenômeno atinge 20 países, dos quais dois terços estão entre os mais pobres do mundo”. Advertiu, ainda, que “naturalmente os direitos dessas populações são muito pouco respeitados”. E acrescentou: “Os pequenos lavradores são os mais prejudicados”.

Segundo apurado pela reportagem os principais países compradores são EUA, Reino Unido, Cingapura, Arábia Saudita, Malásia, Holanda, Índia e China.

Uns quatro anos se passaram. Li, então, no sério informativo UOL Economia, uma segunda notícia sobre o tema: “Em apenas 44 minutos, o Senado aprovou, na noite de terça-feira (15 de dezembro de 2020) um projeto de lei que pretende facilitar a negociação de terras agrícolas com investidores estrangeiros”.

Explicou-se que “a medida dispensa autorização ou licença para aquisição de qualquer modalidade de posse por estrangeiros quando se tratar de imóveis com áreas de até 15 módulos fiscais. Não há uma precisão em relação ao tamanho dos módulos fiscais, porque a medida varia entre os Estados. Em média, porém, um módulo tem aproximadamente 300 hectares, o equivalente a 300 campos de futebol”.

Não sei bem por qual motivo, mas fiquei a recordar as palavras de Leonardo da Vinci: “é mais fácil resistir no início do que no final”.

Por Pedro Valls Feu Rosa

Não é de hoje a exploração da mão-de-obra escravagista para atender demandas dos mais poderosos. Por exemplo, a partir do século 15 em diante, o progresso tecnológico permitiu à Europa tomar a dianteira na organização do mundo inteiro através da invasão do continente americano, a quase total aniquilação da população nativa e a aquisição do controle irrestrito do poder político e econômico.

A economia da América foi reestruturada e orientada de acordo com os requisitos europeus. Uma agricultura diversa foi substituída por um sistema de grandes plantações para cultivar açúcar, algodão e tabaco para o mercado europeu, de acordo com um sistema monocultor que em geral foi prejudicial para os solos depois de um uso repetido e deixou os países vulneráveis às doenças que se estenderam em todos os cultivos. A biodiversidade local degradou-se ou perdeu-se e as florestas foram cortadas.

As plantações americanas se basearam na exploração de africanos escravizados que fizeram da África um anexo da América, com a função de fornecer mão-de-obra escrava ao continente. Aproximadamente cem milhões de africanos foram capturados com esse fim.

No século 19, a monocultura em grande escala que tinha sido introduzida na América também foi imposta na África pelos europeus, com as mesmas bases: fornecer mercadorias baratas aos mercados europeus.

A cana-de-açúcar, o tabaco, o algodão, o chá, o arroz e o café foram alguns dos principais produtos cultivados nas colônias, que paradoxalmente tiveram que começar a importar alimentos já que os cultivos comerciais geralmente ocupavam a maioria da terra agricultável disponível, às vezes até 80%.

A cana-de-açúcar requeria muita mão-de-obra (originalmente de escravos). Cultivada como monocultura, esgotou o solo rapidamente. Para 1700, o Brasil era a maior área produtora de açúcar do mundo, e a maior parte das Índias Ocidentais se transformaram em grandes plantações de cana-de-açúcar.

O padrão produtivo monocultor orientado às importações imposto pelo sistema colonial –no passado, bem como no presente- têm sido estabelecido às expensas das pessoas e dos ecossistemas, principalmente das florestas. Essas culturas, que tinham vivido em estreito contato com a natureza, tinham desenvolvido uma relação totalmente equilibrada com seu meio ambiente, o que poderia ser um referencial a seguir. Mas a antiga e depois a nova colonização colocou um calço que fez o mundo global ingressar no presente beco sem saída. (MCZ)

Comunicação/Cal/Pública/2021

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