
Na última cena do documentário “Democracia em Vertigem” (rodapé esquerdo da foto acima), um caminhão de som da Pública Central do Servidor em grande manifestação em Brasília
O filme brasileiro “Democracia em Vertigem” foi anunciado nesta segunda-feira, como um dos indicados ao Oscar de melhor documentário longa-metragem.

Dirigida pela cineasta mineira Petra Costa, a produção da Netflix acompanha o impeachment de Dilma Rousseff a partir de uma visão particular da diretora. A estatueta será entregue em cerimônia no dia 9 de fevereiro.
O longa chegou à plataforma de streaming em junho. Nos Estados Unidos, o filme também foi exibido em salas de cinema, requisito para concorrer ao Oscar.

Estão no documentário brasileiro imagens de impacto dos protestos de junho de 2013; do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016; da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018; e da vitória de Jair Bolsonaro na disputa para o Palácio do Planalto, também em 2018.
A nomeação acontece depois de a aposta brasileira para o Oscar de melhor filme internacional, “A Vida Invisível”, ter sido deixada de fora da pré-lista de indicados.
O documentário sob a análise do psicanalista Tales Ab’Saber
“Democracia em vertigem tem o mérito de ordenar a leitura histórica de um processo extremamente conturbado de desorganização institucional e de emergência da violência na política. Os passos que o filme dá no sentido daquela explosão do país são claros e seguros. Apesar da perplexidade que atravessa tudo. Nada ali é mentira, tudo aquilo aconteceu, tudo aquilo é matéria histórica precisando de avaliação e leitura justa.
“Diga-se de passagem, os elementos principais e a organização das forças históricas pró golpe são exatamente os mesmos que destaquei na leitura que fiz da crise do governo Dilma, ainda em 2015, em ‘Dilma Rousseff e o ódio político’, as múltiplas forças que se abateram sobre ela — bancos, lava jato e Sérgio Moro, política envenenada com Aécio, Eduardo Cunha, PSDB e PMDB, avanço da nova direita e extrema-direita nas ruas, isolamento político da presidente, problemas sobre o sentido da corrupção, do sistema político e governo… São as forças que, somadas e coordenadas, multiplicando umas às outras, levaram à queda do governo, já plenamente colocadas em jogo no primeiro ano do segundo mandato da presidente, e que o filme reconhece e nomeia, demonstrando cada uma delas, a posteriori. Para mim, a leitura política estrutural correta do processo, fundamentalmente político.
“O filme tem momentos bastante interessantes de cinema. Alguns especiais. A leitura cinematográfica do Palácio da Alvorada, que nunca vimos por dentro, que porta em si as origens falhadas da utopia de um Brasil plenamente moderno, e seu destino equívoco e melancólico a um tempo. A caracterização viva da canalha rebaixada e corrupta que operou a política do golpe no Congresso, em uma imagem em que os monstros comuns da política brasileira não podem fugir a eles próprios, de nenhum modo. Com acento especial para a natureza da ação e do caráter de Aécio Neves. O modo interessante — que muitos colocaram em cheque por parcial e auto-romantizado — de incluir os compromissos familiares contraditórios no processo histórico do país. E as excepcionais, e raríssimas, como documento de cinema político, imagens junto a uma espécie de intimidade de decisões históricas de Lula, naquele tempo de perigo, indefinições e imprecisões, humanas e políticas, radicais e agonísticas. Inclusive dos seus erros. Inclusive os importantes.
“Todos motivos materiais e formais de um bom filme político, que os americanos sentiram, porque essas intensidades estão lá de fato. Como obra de arte didática, no sentido brechtiano do termo, o filme cumpre função histórica significativa: a de confrontar e barrar a leitura hegemônica violenta e falsa que a direita fez da ordem do seu próprio poder e da história torpe da sua vitória. A história contada da crise política pelo próprio golpismo, que é também quase igual à oficial midiática. O filme mantém tensa e exposta a história de uma violência institucional e política inominável, que todos os participantes que geraram a crise, todos imensamente duvidosos, não aceitam de nenhum modo que seja contada.
“Mas ali está ela, a história anti-oficial, realmente acontecida. Nas telas de cinema do mundo, organizada e nítida. A fratura violentíssima e grave do Brasil, que nos levou até a modalidade de neofascismo que chegou ao poder não pode ser ocultada mais depois do filme, como os senhores da programação cotidiana da política desejavam. O fato da violência política do golpismo ter dado em fascistas de todos os tipos brasileiros no poder no Brasil é o grande recibo histórico da falsificação dos valores e forças que moviam o impeachment. Petra está certa”.
Veja abaixo o trailer oficial do documentário “Democracia em Vertigem”, disponível na Netflix:
Fonte: Folhapress
Comunicação/Pública/2020
Seja o primeiro a comentar