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Será o início da privatização da previdência dos trabalhadores do setor público e privado?

Incorporação dos Regimes Próprios de previdência pelo INSS pode ser o início da privatização da previdência dos trabalhadores do setor público e privado.

Com o advento da reforma da previdência, EC 103/2019, muitas foram as alterações, sendo a principal a desconstitucionalização das principais regras de aposentadoria que saíram do âmbito constitucional, que davam mais segurança jurídica aos trabalhadores, levadas para o âmbito da legislação infraconstitucional, ou seja, lei ordinária pode mudar as regras de concessão, contribuição etc.

Dentro dessa liberdade legislativa o governo federal publicou o Decreto 10620/21, que atribui ao Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS a gestão do Regime Próprio de Previdência – RPPS dos servidores federais vinculados às autarquias e fundações federais. Muito embora esse decreto pareça ser uma simples organização do governo federal, ele pode ser visto como sendo o primeiro passo para viabilizar economicamente a privatização da previdência em todos os entes federados, abarcando os servidores públicos das esferas federal, estadual e municipal dos três poderes, pelo menos é a ideia do Ministério da Economia que já tentou outra estratégia de privatização com a capitalização, mas não deslanchou na reforma da previdência.

Muito embora tudo leve a crer que o decreto 10620/21 seja o início de um processo de privatização, ele foi publicado com graves vícios e um deles é a não previsão de criação de uma entidade gestora única de previdência, o que parece ser o objetivo do governo num segundo momento, ao invés disso ele atropela o ordenamento jurídico trazido desde a Emenda Constitucional 20 de 1998, que prevê que a gestão dos regimes próprios de previdência – RPPS dos servidores das esferas federal, estadual e municipal tenham um gestor único de previdência.

Atualmente, todos os estados da Federação e cerca de 2096 municípios possuem RPPS, todavia a União, mesmo sendo obrigada por determinação constitucional desde 1998, nunca criou o seu gestor único de previdência no âmbito federal, entretanto a EC 103/2019 novamente estabelece a necessidade de gestor único e agora estabeleceu o prazo até 12 de novembro de 2021 para sua implementação. Dessa forma, a União precisa organizar o sistema de previdência dos servidores federais, respeitando a obrigatoriedade da gestão participativa dos servidores, transparência e fiscalização interna e externa, gestão única entre outras regras. Essa determinação legal parece ser positiva se respeitada a obrigatoriedade do envolvimento e gestão participativa dos servidores dos três poderes (executivo, judiciário e legislativo) o que viabilizaria a fiscalização da previdência por parte de todos os servidores federais.

Todavia, mesmo a EC 103/2019 estabelecendo o prazo até 12 novembro de 2021 para a criação do gestor único com personalidade jurídica própria, com gestão participativa obrigatória, o governo feral resolveu inovar e por decreto, e não por lei, optou por atribuir ao INSS a gestão do RPPS dos servidores das autarquias e fundações federais. Esse decreto não cria a unidade gestora única, nem poderia, mas apenas estabelece a gestão da previdência de parte dos servidores federais, deixando de fora a administração direta do executivo e os demais poderes. Para estabelecer a unidade gestora única há a necessidade de lei específica e não via decreto, o que por hora seria bem difícil devido à falta de articulação política. Ao invés de seguir o que determina a legislação o governo opta por conduzir aos poucos os servidores para a gestão do INSS desrespeitando mandamento constitucional.

O advogado em direito previdenciário Dr. Luis Fernando Silva, destaca que alguns entraves e ilegalidades importantes vêm junto com essa opção de gestão e um dos entraves é a própria situação fática do INSS, muito embora seja uma autarquia com longa experiência em gestão de previdência, ela está sucateada e não consegue sequer dar conta dos atuais trabalhadores da iniciativa privada uma vez que em janeiro de 2021 havia cerca de 1,7 milhão de benefícios represados e com esse decreto passaria a gerir mais 660 mil aposentadorias e outras 400 mil nos próximos 5 anos referente aos servidores do RPPS. O sucateamento também é evidente, quando se verifica que em 2010 o INSS tinha cerca de 38 mil servidores e em 2021 possui apenas 23 mil.

Outros são os entraves para o INSS assumir os RPPS da união ou de qualquer outro ente federado, dentre os quais destacam-se: as diferenciadas regras de aposentadorias, contribuições previdenciárias com base de cálculo e alíquotas diferenciadas, a forma como lidar com a interpretação das leis de cada ente, sistemas de gestão que não se comunicam além da obrigatoriedade de gestão compartilhada de cada RPPS que a lei prevê. Entretanto, mesmo contra a legislação e o bom senso, o governo federal está implementado o INSS como gestor de parte do RPPS da União.

Essa busca de viabilizar ou inviabilizar o INSS como gestor do RPPS pode ser explicada como uma forma de implementação do preceito legal previsto na reforma da previdência (art.40, §22, I, C/c art. 34 da EC 103/219) que autoriza a extinção do RPPS para aglutinação ao INSS e posterior repasse, se houver vontade política, da gestão para a iniciativa privada.

Privatização

Se o intuito do governo de unificar o regime geral de previdência com os Regimes Próprios dos servidores centralizando-os no INSS fosse alcançado o próximo passo seria a implementação da privatização, que outrora foi tentada sem êxito na reforma da previdência com a proposta de capitalização das contribuições pelos bancos nos moldes do Chile. Mas outra indagação poderia ser feita, há interesse do mercado em assumir a previdência da iniciativa privada e dos RPPS? Especialistas em direito previdenciário, como o Dr. Luis Fernando Silva, defendem a tese, da qual me filio, que as aposentadorias e pensões do INSS parecem não ser atrativas, uma vez que na sua maioria são de salário-mínimo com contribuições descontinuadas e de pouco monte, mas quando os servidores fizerem parte desse bolo a história muda sobremaneira, pois os servidores possuem estabilidade e têm uma contribuição contínua sem interrupção além dos salários em média serem maiores devido à complexidade das atividades no setor público. Quando se junta os regimes de previdência num só lugar faz com que a média de contribuições no geral aumente e torna mais viável para as instituições financeiras assumirem todo o sistema.

Mas mesmo que a média das contribuições não fique do gosto de quem vier assumir, ela pode ser aumentada para garantir um maior lucro, essa possibilidade está embarcada nos parágrafos 1º-B e 1º-C do art. 149 da CF, que cria a contribuição previdenciária extraordinária quando houver déficit atuarial do sistema, ou seja, se não der para pagar com as contribuições atuais é possível instituir cobrança extraordinária para o pagamento. Outra forma de garantir o lucro de quem vier a administrar é a possibilidade de implementar o exposto no parágrafo 1º-A, do art. 149 da CF, o qual autoriza o aumento das contribuições previdenciárias dos aposentados ou pensionistas que recebem mais de um salário-mínimo. Essas novas regras trazidas pela reforma da previdência, no caso de uma eventual privatização do sistema, oportuniza um cheque em branco para garantir o lucro e extinguir riscos e prejuízos. Os riscos do negócio é todo transferindo para os trabalhadores que assumirão eventuais défices oriundos de má gestão, desvios de dinheiro das contribuições ou mesmo para viabilizar maiores lucros.

Portanto, chega-se à conclusão de que esse decreto do governo federal é a primeira dentre outras iniciativas que estão no forno para serem implementadas, visando a incorporação dos RPPS dos servidores federais, dos poderes executivo, legislativo e o judiciário, e dos RPPS dos estados e municípios em um só ente centralizador. Segundo a nota técnica 02/2019 do Dieese, há atualmente 2.096 municípios com RPPS, sendo que no Brasil o total de municípios chega a 5.570, ou seja, com a vedação de criação de novos RPPS trazidas pela reforma da previdência, prevista no novo parágrafo 22 do art. 40 da CF, os 3474 municípios que ainda não têm RPPS já estão automaticamente vinculados ao INSS, muito embora esse dispositivo agrida o pacto federativo já está surtindo efeitos.

Essa estratégia do governo federal já está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal por intermédio da Adi n. 6767, que dentre seus fundamentos está o questionamento de que esse decreto burlaria a legislação em vigor e as previsões constitucionais, dentre elas, o fato de levar a gestão de parte dos servidores da união para o INSS não supriria a obrigatoriedade de se criar um gestor único no âmbito da união para os servidores do executivo, legislativo e judiciário.

Mesmo que o Decreto 10620/21 já esteja sendo questionado na via judicial é de suma importância que seja combatido e que sejam jogadas luzes no seu real intuito. O governo federal desde o início de seu governo busca implementar a privatização da previdência. Foi barrada a proposta de capitalização por ser de difícil implementação e de resultados desastrosos, como vimos no Chile, mas o governo não desiste fácil e outras formas de entregar a previdência dos trabalhadores do Brasil estão sendo pensadas e sorrateiramente implementadas. Se não houver resistência por parte dos trabalhadores e da sociedade, será entregue o controle financeiro e de gestão da previdência para a iniciativa privada, que na sua essência busca apenas o maior lucro possível, sendo que a seguridade social em especial a previdência social tem caráter social e é a forma mais eficaz de distribuição de renda. O Estado não foi criado para dar lucro, mas sim para promover a paz social mantendo um mínimo de equilíbrio na sociedade fornecendo meios para os trabalhadores e suas famílias se manterem depois de anos de trabalho para a nação.

Por Rodrigo Rodrigues 

Comunicação/Cal/Pública/2021 

 

 

 

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